domingo, 14 de fevereiro de 2016

Governo do PMDB caça bandidos nas favelas, enquanto o criminosos mais perigosos estão lá no palácio Guanabara,. Dentro da casa do governo PMDB

UPP: os cinco motivos que levaram à falência o maior projeto do governo Cabral


UPP: os cinco motivos que levaram à falência o maior projeto do governo Cabral
Depois de reduzir violência, projeto dá sinais de fadiga; controle das milícias sobre bairros pobres do Rio está se ampliando
Texto e fotos por Dario de Negreiros, do Rio de Janeiro, especial para o Viomundo
Na foto de capa, a tenente Paula Apulchro, que sofre com uma comunidade não pacificada próxima à sua casa, ao mesmo tempo em que comanda uma UPP na zona Sul
Era ao som do samba “Juízo final”, um dos mais célebres de Nelson Cavaquinho, que o governador do Rio de Janeiro apresentava, em agosto de 2010, o programa “Pacificação por Sérgio Cabral”.
“Nós vamos terminar o segundo mandato, se eu for reeleito, sem nenhuma comunidade com poder paralelo no Rio de Janeiro”, dizia, à época. “Isso é um compromisso meu”.
Com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) como carro-chefe de sua campanha, Cabral (PMDB) conseguiu ser reeleito. Mas, faltando menos de um ano para o final de seus mandatos, ninguém mais espera ter olhos para ver o poder paralelo desaparecer.
É claro que o descumprimento de uma promessa tão grandiosa quanto essa está longe de justificar nosso título. Contanto que as UPPs continuassem a parecer promissoras, avançando consistentemente em seus objetivos, seria equivocado e injusto proclamar a falência do projeto.
É essa, contudo, a triste conclusão a que nos conduz esta extensa reportagem. Mas comecemos pelo reconhecimento dos avanços obtidos.
Os avanços da pacificação
São quase sempre ambíguas as falas dos moradores de áreas pacificadas do Rio de Janeiro. Elogios às melhoras trazidas pelo projeto, críticas à violência policial, reconhecimento do aumento da sensação de segurança, medo e desconfiança dos assustadores armamentos de guerra que portam os policiais: afirmações de sinais opostos são comumente ouvidas em sentenças contíguas, do mesmo falante.
“Ah, só de tirar o armamento da favela já foi uma grande coisa”, relata Edmílson Carlos da Silva, 53, nascido e criado no morro da Babilônia, pacificado em junho de 2009. Antes, lembra, adolescentes de 13 ou 14 anos portando fuzis já faziam parte da paisagem do morro.
O elogio é logo seguido pela constatação do aumento do custo de vida, muitas vezes responsável pela expulsão de moradores antigos da comunidade, a chamada “remoção branca”. “Antes, você alugava uma casinha aqui por R$ 300. Agora, por menos de R$ 900 você não consegue nada”.
Mal havia conhecido Edmílson e ele se dispõe a subir comigo, debaixo de sol escaldante, dez minutos de lances de escada até o mirante. De dia, por aquelas vielas, posso testemunhar que um turista se sente mais seguro do que ao caminhar no fim de tarde pelo Aterro do Flamengo.
Lá em cima, novos conhecidos repetem a velha ambiguidade. “Antes, eu não podia visitar meu cunhado, não gostava de subir aqui. Agora, eu estou aqui tranquilo, tomando uma cerveja, comendo uma pizza e conversando com você”, diz-me um homem de pouco mais de 30 anos. Como já haviam me alertado que as falas feitas a jornalistas passam por um filtro de autocensura, permaneço à paisana, sem gravador ou bloco de anotações.
Violência policial? “Polícia só atira em quem tem culpa no cartório”, garante. Ao que seu cunhado retruca: “Mas mataram o meu sobrinho, de 16 anos, que nunca se envolveu com coisa errada”. “É mesmo?”. “Foi. Tiro nas costas”.
Sejamos claros: se as falas são sempre mais ou menos contraditórias, o reconhecimento de avanços trazidos pela UPP nunca estão completamente ausentes. E, de fato, aqueles que não estão dispostos a reconhecer nenhum mérito do projeto são facilmente refutados tanto pela percepção dos moradores quanto pelos dados.
O estudo “Os donos do morro”, coordenado pelo professor Ignacio Cano em maio de 2012, mostra que as áreas pacificadas experimentaram uma redução de quase 75% no número de mortes violentas. Os roubos também tiveram forte diminuição: mais de 50%.
Parede com marcas de bala ao lado da UPP de Santa Marta. Redução dos tiroteios é um dos avanços mais citados por moradores
Mesmo o impressionante aumento de 92% na taxa de desaparecidos – amplamente discutido após o caso Amarildo, na Rocinha – não é suficiente, dizem os pesquisadores, para colocar em xeque esta redução.
“Há redução de homicídios dolosos em regiões de UPP, sem nenhuma dúvida. Os dados são eloquentes”, afirma o especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). “Por razões óbvias: não tem mais incursão bélica.”
Capitaneadas pelo Bope, as incursões em que a polícia se comporta tal como um exército estrangeiro adentrando território inimigo sempre produziram grandes banhos de sangue nas favelas, com mortes de criminosos, de inocentes e, eventualmente, de policiais.
“Elas eram, por seu caráter bélico, dantescas nas suas consequências”, resume Soares. “E sem qualquer benefício, de qualquer espécie, para a comunidade ou mesmo para a cidade.”
Além do fim das incursões em regiões pacificadas, a diminuição da circulação de armas possui, segundo Soares, uma já conhecida relação com a queda do índice de homicídios. De fato, não há morador que não se refira ao fim dos tiroteios como uma das principais conquistas do projeto.
“A gente constatou que a redução na taxa de homicídios no interior das UPPs está na faixa de 60/100 mil (60 mortes a menos para cara 100 mil habitantes), o que é uma redução bem importante”, conta Ignacio Cano.
Mais do que isso: o impacto positivo não se restringe ao interior da comunidade pacificada. “Também constatamos que, nos arredores das UPPs, até o raio de 1,5 km, acontece esta mesma redução”, explica.
Aqueles que neste ponto do texto interromperem a leitura pensarão ter constatado a esquizofrenia de uma reportagem que constata a falência de um projeto a favor do qual pesam tantos indicadores positivos. Mas a contradição aparente se desfaz sem dificuldades: estas tendências estatísticas estão se invertendo em ritmo acelerado.
“O problema das UPPs é que isso tudo ocorreu em um primeiro momento”, diz Soares.
Tiroteios entre as facções e a polícia, ainda que menos frequentes, voltaram a acontecer em comunidades pacificadas, como Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Rocinha e Complexo do Alemão.
“A redução de homicídios, que aconteceu entre 2009 e 2012, se interrompe em 2013. Em algumas áreas, a taxa começa a subir e, nos últimos meses, subiu em todo o Estado”, explica Cano. E resume: “A nossa avaliação é que esse conjunto de políticas já deu o que tinha que dar”.
Os tão celebrados controle da circulação de armas e domínio policial do território também já estão, em muitos lugares, seriamente ameaçados.
“Há inúmeros relatos de traficantes já armados, de novo”, conta a professora Julita Lemgruber. A quinta e mais elevada estação do plano inclinado do morro Pavão-Pavãozinho (zona Sul), conhecida como Vietnã, é um caso exemplar.  “O morro é deles”, afirmou um policial ao jornal “Extra”, no fim do ano passado.
“E esse era o grande trunfo das UPPs, era a cereja do bolo: romper com a lógica do controle armado do território”, lembra Julita. “Durante um período pequeno eles conseguiram isso. Isso já não é realidade. E eles sabem disso.”
E por quais razões um projeto, em aparência promissor, mal completados os seus cinco anos de idade já teria se tornado este senhor decrépito do qual nada mais ou muito pouco poderíamos esperar?
Vejamos, enfim, os anunciados cinco motivos principais desta degeneração precoce.
Muitos problemas subjacentes à violência permanecem intocados nos morros do Rio
1. Os esforços de transformação do aparato policial são insuficientes
“A atuação da polícia pacificadora, pautada pelo diálogo e pelo respeito à cultura e às características de cada comunidade, aumenta a interlocução e favorece o surgimento de lideranças comunitárias.”
Assim é descrito o trabalho das UPPs no site oficial do projeto. Em tese, os princípios de polícia de proximidade, resumidos como uma “parceria entre a população e as instituições da área de segurança pública”, dariam a tônica das atividades.
Não é, entretanto, o que contam os moradores.
“A primeira coisa que tem de se desmistificar é que a UPP seria uma nova polícia. Isso é mentira. Não mudou, não é uma polícia de proximidade”, afirma André Constantine, morador do morro da Babilônia e fundador do movimento Favela Não se Cala.
Segundo a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, entrar em casas sem autorização judicial, arrombar portas, forjar flagrantes e agredir moradores continuam sendo práticas habituais da polícia.
“Conheço uma moça, no Pavão-Pavãozinho, que tinha um filho que apanhava sempre [da polícia]”, conta-me uma moradora e ativista social. “Ela só fez boletim de ocorrência no dia em que o policial foi à casa dela e falou: ‘pode comprar o caixão para o seu filho, porque eu vou matá-lo’.”
A nova filosofia de trabalho, de sua preparação à sua execução, parece antes um discurso do que uma prática. “Eles repetem, quase como um mantra que lhes foi ensinado, o que eles têm de fazer como policiais de proximidade”, diz Julita Lemgruber, uma das responsáveis pela pesquisa “Ser policial de UPP”.
“Mas, quando você pergunta quais são as atividades que eles de fato realizam, eles dizem que é abordagem e revista de suspeito. O policiamento comunitário deveria estar em um diálogo permanente com a comunidade, tentando azeitar essa relação. Quer dizer: que policiamento comunitário é esse?”, questiona.
Não por coincidência, as cinco disciplinas e conteúdos do processo de formação piores avaliados pelos próprios ex-alunos são, justamente, aqueles relacionados às atividades comunitárias: armamento menos letal, procedimentos para violência doméstica, prática de policiamento cotidiano em favela, mediação de conflitos e relacionamento com o público.
Pior: entre 2010 e 2012, o percentual de policiais que consideravam que a formação na PM não os havia preparado adequadamente para trabalhar em UPP subiu de 37% para 50,9%.
Este déficit de formação comunitária, acompanhado da distância entre o discurso e a prática, não é sem consequências para a relação entre os policiais e a população.
Entre 2010 e 2012, saltou de 28,5% para 46,1% o percentual de policiais para quem o sentimento da maioria da população, em relação à polícia, é predominantemente negativo. Mais uma vez, o tempo aparece antes como fator de degradação do que de amadurecimento do projeto.
Tampouco o modelo policial da “guerra ao tráfico”, com suas incursões bélicas catastróficas, deixou de existir. “A gente vê, em paralelo à política das UPPs e da pacificação, velhas operações policiais gerando vítimas com bala perdida”, lembra Ignacio Cano.
“Então os dois modelos convivem, o que era previsível: não era esperado que, ao introduzir um novo modelo, no dia seguinte todo mundo mudaria de comportamento”, pondera. “O problema é que esse impulso reformador vem perdendo fôlego.”

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