quinta-feira, 23 de junho de 2016

Reporter da band morto em tiroteio.....A Pacificação do Complexo do Alemão Deu Certo? Localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão abrange os seguintes bairros: Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso e Inhaúma. Ele também é formado por um conjunto de 12 favelas: Morro da Baiana, Morro do Alemão, Alvorada, Matinha, Morro dos Mineiros, Nova Brasília, Pedra do Sapo, Palmeiras, Fazendinha, Grota, Vila Cruzeiro e Morro do Adeus. Segundo um artigo do cientista social Bruno Coutinho de S. Oliveira, até os anos 40, as terras do "alemão" (como era conhecido o proprietário original, na verdade um imigrante polonês) formavam uma grande fazenda, com cerca de três quilômetros quadrados. A partir desse período, algumas indústrias começaram a se instalar na região, como a Cortume Carioca, na Penha, que, nos anos 50, chegou a ser a maior indústria de curtição e fabricação de produtos de couro das Américas e a segunda do mundo, empregando cerca de 3 mil pessoas. Aos poucos, a área foi sendo desmembrada e vendida em lotes, tendo como compradores os próprios trabalhadores das indústrias que se instalaram por ali. Contribuindo para o grande fluxo migratório na região, a abertura da Avenida Brasil, em 1946, levou mais indústrias para a região, fazendo com que, até os anos de 1980, esses bairros se apresentassem como o principal polo industrial da cidade. Uma sucessão de crises econômicas gerou o fechamento de várias fábricas, gerando um ciclo de aumento no desemprego e na criminalidade da região; assim, como consequência, mais fábricas fecharam as portas. Estima-se que esses fechamentos tenham dado fim a cerca de 20 mil postos de trabalho. Segundo dados do IBGE, o complexo possui IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,709, ficando em último lugar no ranking do IDH das 32 Regiões Administrativas do município do Rio de Janeiro. Outro dado apontado no artigo de Oliveira afirma que a média da renda por capita no Complexo do Alemão é de apenas R$ 177,31. Após a última operação, um alto oficial da polícia comparou as pessoas mortas a insetos, referindo-se à polícia como 'o melhor inseticida social'". De fato, a política de extermínio não cessou – só aumentou. Os grandes eventos Copa do Mundo e Olimpíadas passaram a ser usados como desculpa para a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora. A primeira UPP começou a funcionar em 19 de dezembro de 2008, no Morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, na Zona Sul. Segundo o site da PMERJ, desde então, 38 UPPs já estão implantadas e atualmente a Polícia Pacificadora conta com um efetivo de 9.543 policiais. Diferente das favelas localizadas na Zona Sul, como Santa Marta e Rocinha, onde a ocupação deu-se sem troca de tiros, o processo, nos complexos do Alemão e da Maré, foi realizado em parceria com as Forças Armadas, resultando em muitas mortes. No Alemão, a ocupação aconteceu em novembro de 2010 e contou com uma tropa de 2,7 mil homens, sendo 1,2 mil policiais militares, 400 policiais civis, 300 policiais federais e 800 militares do Exército. No primeiro dia, a ação policial foi transmitida ao vivo por helicópteros da Globo, mostrando cenas impressionantes de um pequeno exército de traficantes em fuga na mata sendo alvejados por helicópteros da polícia. Após a ocupação, deu-se início às obras do PAC: a mais notória delas, a construção de uma rede de teleféricos acompanhados de bases da UPP em locais estratégicos. Ainda assim, cinco anos depois da ocupação, tiroteios continuam ocorrendo diariamente no Complexo do Alemão, trazendo a óbito não só policiais e traficantes como muitos inocentes. O Papo Reto dos moradores do Complexo do Alemão Alguns dos integrantes do Coletivo Papo Reto. Durante este ano, visitei o Complexo do Alemão várias vezes, em sua maioria para visitar o pessoal do Coletivo Papo Reto. Acho que não precisa ser do Rio para entender que o nome significa que essa galera vai diretamente ao assunto, sem enrolação, papas na língua ou rabo preso. O coletivo reúne jovens que já atuavam como comunicadores e ativistas independentes antes de somarem forças no final de 2013 para auxiliar as vítimas de deslizamentos causados por uma forte chuva. Desde então, o grupo passa a atuar em duas vertentes: a comunicação de guerrilha (na qual expõem a má atuação da segurança pública através da polícia) e a comunicação afirmativa (que busca dar visibilidade a todas as coisas, pessoas e ações positivas existentes no complexo). Graças a uma rede de WhatsApp, que conta com cerca de 70 moradores, comerciantes e mototaxistas de diversas localidades da região, eles monitoram tiroteios que são comunicados através de sua página de Facebook com 15 mil seguidores: é uma maneira de alertar os moradores para evitar as áreas, se proteger e até retirar seus carros e motos de ruas estreitas a fim de que não sejam danificados pelo Caveirão. Raull Santiago, um dos integrantes do Coletivo Papo Reto e repórter do canal Globonews. Na vertente de comunicação afirmativa, o coletivo produz muito conteúdo bacana, como os programas de YouTube "Tal do ao vivo" e "Retrato Falado". Mas infelizmente o que se destaca na página do coletivo são as notícias quase diárias de tiroteios, abusos e violações dos direitos humanos. Essa atuação do Papo Reto denunciando abusos da polícia rendeu destaque na mídia internacional e uma parceria com a ONG norte-americana Witness, que, além de apoiar o coletivo com equipamento, recentemente levou três dos seus integrantes para uma série de oficinais e eventos em Nova York. Conversei com um desses integrantes, o Raull Santiago – há pouco mais de um ano, ele também trabalha como repórter no canal Globonews –, sobre como a ocupação transformou o Alemão. Segundo ele (e também a maioria das pessoas com quem conversei por lá), tanto a UPP como o teleférico nunca foram demandas dos moradores. "Cinco anos depois, ainda vivemos violência e confrontos até mais intensos e desregulares do que antes, pois são duas forças ocupando o mesmo espaço; e, quando se encontram, a qualquer hora do dia, intensos tiroteios acontecem. Os governos partidários sempre olharam para o Complexo do Alemão através da mira da arma de um fuzil da polícia: sempre foi dessa forma, antes e durante a pacificação. A polícia é, ainda hoje, o único braço do Estado partidário. Isso é vergonhoso. A polícia não pode mediar um conflito do qual ela faz parte. Vemos diversos grupos de PMs invadindo a favela, mas nem um professor, médico, psicólogo; ou seja, essa política é, na verdade, uma contenção da camada popular dentro das suas favelas. Em nome da utopia de paz, só vejo guerras." Ainda segundo Raull, que não bebe nem usa entorpecentes, uma nova política de drogas, tendo em vista a descriminalização, deve ser discutida. "A presidenta, o governador, eu e você que está lendo, todos sabemos que, na favela, não tem plantação de maconha, refinaria de cocaína e muito menos fabricas de armas. Quem realmente lucra com essa guerra não está na favela, mas nós somos os 'pobres favelados', aqueles que a sociedade da rua aceita que morra e que fique por isso mesmo." No decorrer da vida, Raull perdeu vários amigos de infância que entraram para o tráfico, seja para ascender financeira ou socialmente, seja simplesmente para se vingar da polícia. Ele usa uma matemática simples para expor o fracasso do programa de UPP em conter o crime. "Se, em 2015, um menino de 14 anos está armado, dando tiro nos becos da favela, em 2010, quando a pacificação começou, ele tinha 9. Então, está tudo errado nesse discurso de paz: UPP é, na verdade, paciFICÇÃO. De 2010 para cá, apenas vi guerras, violência – e nada mais." No último sábado, dia 28, a ocupação completou cinco anos; não houve nenhum ato oficial, mas o pessoal do Papo Reto preparou uma intervenção: eles colocaram um bolo cenográfico na entrada da Grota. Numa cerimônia rápida, enquanto soava um surdo, o bolo recebia bandeirinhas com nomes de vítimas fatais desses últimos cinco anos de ocupação, tanto de moradores quanto de policiais. Quem tocava o surdo era o líder comunitário Marquinhos da Pepé, presidente da associação dos moradores da Palmeiras, nascido e criado no Alemão. Ele me foi apresentado como um cara que havia denunciado, mais de uma vez, a tentativa de formação de milícias no complexo. Ele me explicou: "A situação do Alemão vem se complicando desde 2013, quando houve uma troca de comando. Antes, nós tínhamos policiais comprometidos com a vida e a pacificação, que queriam de verdade trazer paz para a comunidade, como Rodrigues, Salgado, o Capitão Vinicius, mas, quando houve essa mudança de comando, começamos a notar mudanças na conduta dos policiais. Hoje, se um comerciante não paga um café, se não dá um lanche, uma caixinha, se ele tem uma carga e descarga, esse veículo é multado. Hoje, se você for ver, por exemplo, próximo à Nova Brasília, os carros dos policiais ocupam todas as vagas em frente aos comércios. E o comandante Zuma disse que a lei na UPP Nova Brasília é ele: não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que ele disse hoje". O líder comunitário Marquinhos da Pepé. "Ontem, estavam falando que vão implementar mais uma UPP no morro. Para que mais uma UPP no morro? Tem de implementar mais projetos sociais, e não mais polícia; hoje, no morro, existem três facções: o Comando Vermelho, a UPP e alguns policiais, que são bandidos travestidos de polícia, tentando impor uma milícia no Alemão. Os tiroteios no Alemão têm dias e horas certas, tem plantões certos em que rola tiroteio. A realidade no Alemão é essa; então, se as autoridades não olharem, o que vai acontecer é isso: vai sair o CV e entrar a milícia." A esperança que deveria vir pelos cabos do teleférico Além da violência, outra reclamação constante dos moradores é a questão do teleférico. Primeiro, ele não atende às necessidades da população, que prefere utilizar o serviço das vans e dos mototaxis, ambos constantemente perseguidos e criminalizados pelas autoridades. Outra reclamação é que, mesmo o teleférico tendo custado mais de R$ 200 milhões, não houve investimento semelhante em saneamento básico ou moradia no restante da comunidade. Uma das justificativas para o milionário teleférico é a de que ele se tornaria um novo ponto turístico da cidade, fomentando a economia local; de fato, isso aconteceu no início, porém a escalada da violência reduziu drasticamente sua visitação. Os altos custos de manutenção fizeram com que a Supervia, empresa que opera o teleférico, viesse perdendo o interesse em mantê-lo funcionando. Das mais de trinta barraquinhas de artesanato e souvenir abertas na saída da estação Palmeiras (a última da linha), hoje restam apenas três. Colei lá para conversar com os donos de duas delas. Conversei primeiro com o bem-humorado Cleber, que vende quadros pintados por sua companheira, a Mariluce, que infelizmente não estava lá. Além de vender os quadros, eles realizam oficinas de pintura para mais de 60 crianças da comunidade e fazem mutirões para pintar murais pela comunidade, apagando as pixações do tráfico. Ele também administra a página "Complexo Alemão"; com quase 30 mil curtidas, ela é usada para denunciar e protestar. Morador do Alemão há 16 anos, Cleber veio de Porto Seguro e é descendente de índios Pataxós que vendiam artesanato para sobreviver. A chegada de madeireiras e do turismo exploratório foi um dos motivos que fizeram Cleber migrar para o Rio. "Eu saí de Porto Seguro com muita raiva, pois eu vi as grandes empresas de turismo tomarem de quem eram os donos. Então, quando eu comecei a ver o turismo acontecer aqui, eu não podia deixar isso acontecer. Foi quando a gente começou a brigar para não deixar existir um turismo exploratório de grandes corporações e estimular um turismo de base local, onde o morador se apropriasse disso. O Jeep Tour que existe na Rocinha, por exemplo, é um absurdo: eu fui o primeiro a ser contra esse safári vergonhoso. Nós não deixamos, batemos de frente com isso. Hoje, são mais de trinta guias locais que levam os turistas aqui dentro da favela – e levam os turistas para consumir nos locais da favela." Apesar das vendas já terem tido dias melhores, Cleber se orgulha em dizer que o sustento de sua família vem dos quadros da Mariluce, que já foram vendidos para turistas de mais de 80 países, incluindo o proprietário do Cavern Club, em Liverpool, fato comprovado num caderninho que ele faz os clientes assinarem. No dia em que eu visitei Cleber, um grupo de 40 turistas de New Orleans, a maioria negros, "fez a limpa" nas barraquinhas de souvenir da estação Palmeiras. "A gente quer passar pro turista uma imagem não da violência, do tráfico e da morte, mas de uma favela que supera tudo isso. A violência, as mídias convencionais já pregam e mostram. Nós queremos mostrar pro turista um lado que não é mostrado pela mídia: de que existem artistas como, por exemplo, a Mariluce, que pinta quadros da favela se inspirando nos becos e vielas, para que o turista leve uma imagem que ele não tem, baseado num sonho que ela teve de um dia ter uma favela toda colorida, onde as pessoas vivem em harmonia, com condições de andar e soltar uma pipa. [É para o turista] poder saber que aqui tem arte também. O turismo traz divisas importantíssimas para os moradores; além da renda, todas as pessoas que aqui tiveram contato com turistas, tiveram uma imersão cultural, um conhecimento que eles não tinham antes. Diversas culturas e idiomas." Perguntei para ele o que podia melhorar. "Dizem que sete milhões de pessoas passaram pelo teleférico nos tempos áureos. Eles estiveram aqui pelo cabo e só fizeram a volta, o passeio aéreo; se esses sete milhões de pessoas tivessem descido do teleférico, entrado na favela e gastado um real, a gente teria mudado muitas realidades aqui dentro. Muitos jovens não teriam se envolvido com o tráfico, estariam guiando esses turistas. Muitos jovens que trabalharam aqui comigo eram envolvidos; inclusive, um tinha pulseirinha na tornozeleira, trabalhou comigo guiando grupos de turista. Eles sabiam disso, ele ganhava 200, 300 reais por dia guiando aqui dentro. Mas, hoje, o teleférico é um prejuízo incalculável pro governo, e nenhum consórcio quer assumir devido ao alto índice de tiroteios diários. O número de visitantes caiu muito; então, ou o governo fecha isso aqui de vez, ou muda toda a estrutura social e política."

Nenhum comentário:

Postar um comentário